Pub. em 6 de março de 2023
Não é novidade que os médicos e medicas gozam de autonomia profissional, técnica, científica, acadêmica, cultural, etc. Não por acaso, a Lei 12.842/2013, que dispõe sobre o exercício da Medicina, determina em seu artigo 2º, que: “O objeto da atuação do médico é a saúde do ser humano e das coletividades humanas, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo, com o melhor de sua capacidade profissional e sem discriminação de qualquer natureza”.
Por seu turno, o Código de Ética Médica (CEM), dentre seus princípios fundamentais, normatiza que compete ao médico aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente, não podendo, em nenhuma circunstância ou sob nenhum pretexto, renunciar à sua liberdade profissional nem permitir que quaisquer restrições, imposições, disposição estatutária ou regimental de qualquer instituição possam prejudicar a eficiência e a correção de seu trabalho e limitar a sua escolha dos meios cientificamente reconhecidos para o estabelecimento do diagnóstico e execução do tratamento, e ainda, que a medicina deve ser exercida com a utilização dos meios técnicos e científicos disponíveis objetivando sempre os melhores resultados.
Dentre as suas normas diceológicas, o CEM também determina ser direito dos médicos e médicas “indicar o procedimento adequado ao paciente, observadas as práticas cientificamente reconhecidas e respeitada a legislação vigente”.
Dito isto, pode-se afirmar que é dever e direito dos médicos e médicas prescreverem as terapias e solicitar os exames que seus pacientes necessitam – desde que cientificamente reconhecidos – e não os que os planos de saúde pagam ou os que estão listados no rol de procedimentos da ANS.
Apesar de todo o arcabouço normativo vigente, as operadoras de planos de saúde teimam em restringir a autonomia dos profissionais a elas credenciados e/ou cooperados com o único objetivo de diminuir custos.
A cada dia cresce o número de procedimentos administrativos instaurados por essas empresas contra médicos e médicas sob a justificativa de excesso de pedidos de exames, internações ou intervenções, sendo que, não raro o objetivo real é – sob a ameaça de descredenciamento ou expulsão da entidade – constrangê-los a rever suas condutas e, assim, alterar os tratamentos prescritos, ainda que em prejuízo dos pacientes.
Algumas operadoras chegam ao ponto de impor que determinados procedimentos sejam realizados nos hospitais (ou outros serviços) que estejam sob sua administração direta em detrimento aos demais credenciados, postura também ilegal.
Não desconhecemos ser legítimo às empresas que comercializam planos de saúde realizar auditorias e exigir de seus prestadores de serviços que atuem nos limites da legalidade e ética médica. Contudo, as mesmas não podem querer sanar suas finanças limitando a atividade profissional e, por conseguinte, lesionando os direitos de seus usuários. Para tanto, há métodos de governança eficazes de diminuição de custos administrativos e/ou operacionais, tais como evitar privilégios típicos de compadrio e mudar estruturas vetustas, sabidamente deficitárias.
Cabem aos médicos, médicas, usuários e sociedade em geral se insurgirem e denunciarem práticas dessa natureza, porque atentam contra a ordem jurídica e deontológica vigente – além, é obvio, de serem prejudiciais aos pacientes, destinatários finais de toda a estrutura de saúde.
Cândido Ocampo é advogado; por 10 anos assessorou o Cremero; é membro da Soc. Bras. de Direito Médico e Bioética; presidente da Diretoria de Rondônia da Asociación Latinoamericana de Derecho Médico (Asolademe). Mais informações: candidoocampo.com