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DIREITO NA MEDICINA – Autonomia médica e os planos de saúde

Pub. em 6 de março de 2023

Não é novidade que os médicos e medicas gozam de autonomia profissional, técnica, científica, acadêmica, cultural, etc. Não por acaso, a Lei 12.842/2013, que dispõe sobre o exercício da Medicina, determina em seu artigo 2º, que: “O objeto da atuação do médico é a saúde do ser humano e das coletividades humanas, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo, com o melhor de sua capacidade profissional e sem discriminação de qualquer natureza”.

Por seu turno, o Código de Ética Médica (CEM), dentre seus princípios fundamentais, normatiza que compete ao médico aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente, não podendo, em nenhuma circunstância ou sob nenhum pretexto, renunciar à sua liberdade profissional nem permitir que quaisquer restrições, imposições, disposição estatutária ou regimental de qualquer instituição possam prejudicar a eficiência e a correção de seu trabalho e limitar a sua escolha dos meios cientificamente reconhecidos para o estabelecimento do diagnóstico e execução do tratamento, e ainda, que a medicina deve ser exercida com a utilização dos meios técnicos e científicos disponíveis objetivando sempre os melhores resultados.

Dentre as suas normas diceológicas,  o CEM também determina ser direito dos médicos e médicas “indicar o procedimento adequado ao paciente, observadas as práticas cientificamente reconhecidas e respeitada a legislação vigente”.

Dito isto, pode-se afirmar que é dever e direito dos médicos e médicas prescreverem as terapias e solicitar os exames que seus pacientes necessitam – desde que cientificamente reconhecidos – e não os que os planos de saúde pagam ou os que estão listados no rol de procedimentos da ANS.

Apesar de todo o arcabouço normativo vigente, as operadoras de planos de saúde teimam em restringir a autonomia dos profissionais a elas credenciados e/ou cooperados com o único objetivo de diminuir custos. 

A cada dia cresce o número de procedimentos administrativos instaurados por essas empresas contra médicos e médicas sob a justificativa de excesso de pedidos de exames, internações ou intervenções, sendo que, não raro o objetivo real é – sob a ameaça de descredenciamento ou expulsão da entidade – constrangê-los a rever suas condutas e, assim, alterar os tratamentos prescritos, ainda que em prejuízo dos pacientes.   

Algumas operadoras chegam ao ponto de impor que determinados procedimentos sejam realizados nos hospitais (ou outros serviços) que estejam sob sua administração direta em detrimento aos demais credenciados, postura também ilegal. 

Não desconhecemos ser legítimo às empresas que comercializam planos de saúde realizar auditorias e exigir de seus prestadores de serviços que atuem nos limites da legalidade e ética médica. Contudo, as mesmas não podem querer sanar suas finanças limitando a atividade profissional e, por conseguinte, lesionando os direitos de seus usuários. Para tanto, há métodos de governança eficazes de diminuição de custos administrativos e/ou operacionais, tais como evitar privilégios típicos de compadrio e mudar estruturas vetustas, sabidamente deficitárias. 

Cabem aos médicos, médicas, usuários e sociedade em geral se insurgirem e denunciarem práticas dessa natureza, porque atentam contra a ordem jurídica e deontológica vigente – além, é obvio, de serem prejudiciais aos pacientes, destinatários finais de toda a estrutura de saúde.

Cândido Ocampo é advogado; por 10 anos assessorou o Cremero; é membro da Soc. Bras. de Direito Médico e Bioética; presidente da Diretoria de Rondônia da Asociación Latinoamericana de Derecho Médico (Asolademe). Mais informações: candidoocampo.com

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DIREITO NA MEDICINA – Negligência informacional

Pub. em 25 de janeiro de 2023.

É inacreditável que ainda existam médicos que não obtêm de seu paciente o tão conhecido termo de consentimento esclarecido, documento que tem como único propósito comprovar que o profissional informou ao mesmo sobre os riscos do procedimento a ser realizado.

Em razão de seu objetivo (que não é ensinar medicina a ninguém), o referido termo deve ser elaborado – na medida do possível – com singeleza e simplicidade, sem tecnicismo, de maneira tal que um leigo possa entender seu conteúdo. Em mais de 20 anos dedicados ao Direito Médico, ainda observo termos longos, genéricos, chatos e ininteligíveis, portanto, sem idoneidade jurídica. Nesse caso vale a máxima de que qualidade não é, necessariamente, quantidade.

O documento, dentre outras informações, deve conter expressamente os riscos específicos de cada procedimento e a impossibilidade de garantir resultados, não tendo validade aquele que se refere a uma série de intervenções ou que contenha frases genéricas, do tipo “fui informado pelo meu médico sobre os riscos do procedimento a que serei submetido…”.

Não é recomendável que o cirurgião insira em seu termo de consentimento as possíveis consequências do ato anestésico, já que o anestesiologista tem responsabilidade autônoma e, por tal razão, deve elaborar seu próprio documento.

O profissional, quando possível, deve obter o consentimento com antecedência, pois os nossos tribunais entendem que os termos assinados no mesmo dia do procedimento não cumprem seu objetivo, já que o paciente, à medida que se aproxima sua realização, perde as condições psicológicas de plena reflexão em razão da natural tensão que antecede qualquer intervenção médica.    

Por fim, importante lembrar que a obtenção do multicitado termo de consentimento não significa salvo-conduto para o médico ou a médica cometer deslizes procedimentais, já que o referido documento apenas libera o profissional de uma de suas obrigações – a de informar seu paciente.

Cândido Ocampo é advogado, por 10 anos assessorou o Cremero; é membro da Soc. Bras. de Direito Médico e Bioética; presidente da Diretoria de Rondônia da Asociación Latinoamericana de Derecho Médico (Asolademe). Mais informações: candidoocampo.com

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DIREITO NA MEDICINA – Pleno exercício da medicina

Pub. em 13 de julho de 2022.

A lei 8.080/1990 (que regulamenta o SUS), em harmonia com a Constituição Federal, dispõe que a saúde é um direito fundamental, devendo o poder público prover as condições indispensáveis ao seu exercício – incluídas as ações de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica.

Valendo-se desse direito, muitos brasileiros – principalmente de baixa renda – se valem dos programas públicos de fornecimentos de medicamentos para garantir seu tratamento. Ocorre que, não raro, a medicação é negada sob o argumento de que o médico que a prescreveu não possui a especialidade correspondente junto ao Conselho Regional de Medicina, pois nesses órgãos reina o entendimento que remédios para doenças reumatológicas, por exemplo, apenas os especialistas em reumatologia podem prescrever.

Essa postura, além de ferir o direito básico do usuário/paciente em ter assistência integral à sua saúde por parte do poder público, tolhe o direito do profissional em exercer a medicina de forma plena e integral, já que a Constituição Federal autoriza o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, “desde que atendidas as qualificações que a lei estabelecer” (art. 5º, XIII). Por sua vez, a Lei Federal nº 3.268/57, dispõe que: “art. 17. Os médicos só poderão exercer legalmente a medicina, em qualquer de seus ramos ou especialidades, após o prévio registro de seus títulos, diplomas, certificados ou cartas no Ministério da Educação e Cultura e de sua inscrição no Conselho Regional de Medicina, sob cuja jurisdição se achar o local de sua atividade.”

Com base nas normas constitucional e ordinária supracitadas, há muito se consolidou o entendimento (inclusive no Conselho Federal de Medicina) que, para se exercer a profissão em quaisquer de suas especialidades, basta o registro do diploma no MEC, bem como a inscrição no CRM. O que o CFM veda é a divulgação de especialidade ou área de atuação que o médico não possua registro.

No ponto, é oportuno lembrar que regulamentos meramente administrativos (portarias, resoluções, etc.) não podem contrariar a lei e muito menos a Constituição.

Portanto, o médico ou a médica que tiver sua receita “rejeitada” sob a alegação de não possuir o título de especialista, deve denunciar tal conduta aos órgãos de fiscalização (inclusive MP e CRM) responsáveis pela observância das leis e normas de regência.

Cândido Ocampo é advogado, por 10 anos assessorou o Cremero; é membro da Soc. Bras. de Direito Médico e Bioética; presidente da Diretoria de Rondônia da Asociación Latinoamericana de Derecho Médico (Asolademe).

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DIREITO NA MEDICINA – Autonomia compartilhada

Pub. em 14 de junho de 2022.

O Código de Ética Médica (Resolução n. 2.217/2018, do Conselho Federal de Medicina) preservou como princípio fundamental da atividade a independência técnica do profissional – liberdade que não pode, sob nenhuma circunstância, ser renunciada.

Por outra banda, o mesmo diploma consagra a autonomia do paciente como um cânone deontológico a ser obrigatoriamente observado pelo médico.

Um olhar desatento pode fazer parecer que os dois princípios – autonomia técnica do médico e volitiva do paciente – são conflitantes e, no limite, excludentes.

Contudo, as próprias normas de regência mostram o oposto, ou seja, que a sobredita liberdade técnica pode – e deve – ser exercida em conjunto com a autodeterminação do assistido. E nenhum outro dispositivo expressa tão bem essa afirmação quanto o item XXI, do Capítulo I, do Código de Ética Médica, que prescreve: “No processo de tomada de decisões profissionais, de acordo com seus ditames de consciência e as previsões legais, o médico aceitará as escolhas de seus pacientes relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos por eles expressos, desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas”.

A supratranscrita norma impõe aos facultativos o compartilhamento de suas escolhas terapêuticas com seus pacientes, não sem antes os esclarecer de forma simples, clara e compreensível sobre as alternativas possíveis, seus riscos e benefícios. Esse processo decisório deve sempre ser permeado pelos princípios da benevolência e não maleficência, já que o “alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano”.

O referido compartilhamento decisório, desde que realizado de forma ética, também traz como consequência a divisão das responsabilidades, não podendo o paciente (ou seu representante legal), em caso de desfecho desfavorável, alegar ignorância quanto aos procedimentos instituídos.

Cândido Ocampo é advogado, por 10 anos assessorou o Cremero; é membro da Soc. Bras. de Direito Médico e Bioética; presidente da Diretoria de Rondônia da Asociación Latinoamericana de Derecho Médico (Asolademe). Mais informações: candidoocampo.com

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DIREITO NA MEDICINA – Quantidade de consultas

Pub. em 17 de maio de 2022.

Questão que, não raro, é suscitada por médicos e médicas que trabalham principalmente no serviço público é saber se o gestor pode impor a quantidade de atendimentos que devem ser realizados por turno de trabalho.

Considerando que uma consulta, em regra, compreende a anamnese, exames físicos e a elaboração de hipóteses ou conclusão diagnósticas, solicitações de exames complementares (quando necessários) e prescrição terapêutica, não pode a mesma ter sua duração ordenada por regramentos institucionais, pois impossível parametrizar e/ou delimitar o seu número em função do tempo de trabalho do médico, cuja atividade não pode ser comparada a uma linha de montagem ou a um serviço meramente burocrático.

Dito isto, é possível afirmar que não há na legislação brasileira nenhuma imposição sobre a quantidade de atendimentos que devem ser realizados por turno de trabalho. Ao contrário, existem vários dispositivos deontológicos que impedem que qualquer regulamento possa impor ao médico uma quantidade de condutas por determinado tempo. Como exemplo, temos o Código de Ética (Resolução n. 2.217/2018, do Conselho Federal de Medicina) que, dentre seus princípios fundamentais, dispõe que o médico não pode, em nenhuma circunstância, renunciar sua liberdade profissional e deixar que restrições e o acúmulo de encargos possam prejudicar a eficiência e correção de seu trabalho, nem muito menos permitir que disposições estatutárias e/ou regimentais de qualquer instituição, pública ou privada, limite sua independência técnica, sendo seu direito decidir o tempo a ser dedicado ao paciente.

A propósito, o Parecer CFM nº 01/2010, tem em sua ementa que “Nenhum órgão ou instituição tem competência para determinar o tempo de avaliação médica ou estabelecer o número de atendimentos para qualquer carga horária ou atividade médica”.

Assim, qualquer tentativa de instituir um determinado número de atendimentos por carga horária de trabalho está incongruente com todo o arcabouço ético da categoria, não tendo, portanto, poder normativo sobre a atividade médica.     

Cândido Ocampo é advogado, por 10 anos assessorou o Cremero; é membro da Soc. Bras. de Direito Médico e Bioética; presidente da Diretoria de Rondônia da Asociación Latinoamericana de Derecho Médico (Asolademe).

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DIREITO NA MEDICINA – Atendimento via call center pede prudência

Pub. em 06 de maio de 2020.

Com o advento da pandemia da Covid-19, vários serviços de telemedicina (via call center) entraram em funcionamento em todo país, haja vista a autorização legal – em caráter excepcional e temporária – para a utilização da ferramenta como mais um instrumento de combate à disseminação do coronavírus.

Ocorre que, alguns gestores públicos, inclusive em Rondônia, pressionados pelo caos que se instalou em várias unidades de saúde em razão do excesso extraordinário de demanda, estão forçando os médicos a serem resolutivos e/ou conclusivos em todos os atendimentos, sem levar em consideração os limites técnicos da modalidade impostos pela distância.

Em alguns casos, conflitos surgem pela simples razão de o usuário/paciente pedir, em tom de exigência, que o profissional emita atestado (digital) para, por exemplo, justificar ausência ao trabalho, ou prescreva uma medicação de seu interesse.

Já falamos nesse espaço que a telemedicina não um terreno sem lei, onde qualquer conduta pode ser realizada sem que gere consequências ao médico, pois, na assistência à distância, todas as normas legais e éticas impostas ao atendimento presencial devem ser observadas – exceto nos casos de ostensiva incompatibilidade.

O Código de Ética Médica tem, dentre seus princípios basilares, a orientação de que o facultativo “não pode, em nenhuma circunstância ou sob nenhum pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, nem permitir quaisquer restrições ou imposições que possam prejudicar a eficiência e a correção de seu trabalho”, bem como que “nenhuma disposição estatutária ou regimental de hospital ou de instituição, pública ou privada, limitará a escolha, pelo médico, dos meios cientificamente reconhecidos a serem praticados para o estabelecimento do diagnóstico e da execução do tratamento, salvo quando em benefício do paciente”.

 A situação exige prudência do profissional, sob pena de, na boa intenção de ajudar, vê-se obrigado a responder – inclusive na Justiça – por uma conduta tecnicamente injustificada.

Cândido Ocampo é advogado, por 10 anos assessorou o Cremero; é membro da Soc. Bras. de Direito Médico e Bioética; presidente da Diretoria de Rondônia da Asociación Latinoamericana de Derecho Médico (Asolademe).

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DIREITO NA MEDICINA – Teleconsulta:cuidados jurídicos importantes

Pub. em 15 de abril de 2020.

Como é do conhecimento de todos, com a decretação da emergência em saúde pública em razão da pandemia do novo Coronavírus, o Ministério da Saúde, visando reduzir a velocidade de sua propagação no país, no uso de suas atribuições legais, permitiu – tanto no âmbito do SUS como da saúde suplementar e privada – o uso da Telemedicina como mais uma ferramenta de enfrentamento à moléstia.

Primeiramente, é importante deixar claro que os procedimentos realizados à distância, mesmo sendo gratuitos, por serem atos médicos como outros quaisquer, geram responsabilidades ética, civil, penal e administrativa (em caso de servidor público); logo, devem observar – no que for possível – os mesmos preceitos deontológicos e jurídicos que norteiam as condutas presenciais – inclusive quanto às notificações compulsórias.

Portanto, torna-se indispensável evitar voluntarismos típicos de momentos difíceis que levem a um relaxamento e, por conseguinte, à consequências indesejáveis, já que, passada a comoção social, o profissional poderá ser processado por quem pretendeu ajudar.

Por tudo isso, somos da opinião que, antes de iniciar a teleconsulta, o médico deve esclarecer o paciente sobre os limites clínicos do atendimento à distância – mormente em relação ao diagnóstico -, sua natureza extraordinária e transitória, deixando-o ciente que, passada a emergência, a modalidade poderá ser proibida e, portanto, retornará os atendimentos presenciais de sempre.

Nessas conversas preliminares é importante estabelecer o valor da teleconsulta (se for o caso), quem vai pagar e a forma de pagamento – que poderá ser, inclusive, via cartão de crédito.

Se o paciente possuir algum plano de saúde, é imprescindível obter a autorização prévia da operadora, que, então, será a responsável pelo pagamento. Caso esta se negue a fazê-lo, o mesmo (paciente) deverá ficar ciente que arcará com os custos.

Findo os esclarecimentos, é indispensável um termo de consentimento informado (que poderá ser em mensagem de voz), onde o paciente afirme que está ciente de todas as implicações do atendimento e concorda com sua realização.

Lembramos que é do médico a responsabilidade pela guarda de todas as informações decorrentes da teleconsulta; portanto, deve o mesmo se certificar que a plataforma escolhida (a Portaria 467/2020, do MS, não especificou) garante a integridade, segurança e o sigilo das informações que, segundo a referida portaria, deverão ser armazenadas em prontuário que conterá os dados clínicos necessários à boa condução do caso, sendo preenchido em cada contato mantido com o paciente, com data e horário, bem como a especificação da tecnologia da informação e comunicação utilizada para o atendimento, além, é claro, do número do CRM do facultativo.

Importante. Os médicos poderão emitir atestados ou receitas com assinatura eletrônica, sendo que a validade desta fica condicionada ao uso do certificado e chave emitidos pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil).

Os mencionados documentos (receitas ou atestados) podem ser encaminhados ao paciente pelos serviços de “motoboy”, que estão em funcionamento.

No caso de medida de isolamento, caberá ao paciente enviar ao médico o termo de consentimento livre e esclarecido de que trata o § 4º do art. 3º, da Portaria nº 356/GM/MS de 11/03/2020, e o termo de declaração contendo a relação das pessoas que residem no mesmo endereço (§ 4º, do art. 3º, da Portaria nº 454/GM/MS, 20/03/2020).

Cândido Ocampo é advogado, por 10 anos assessorou o Cremero; é membro da Soc. Bras. de Direito Médico e Bioética; presidente da Diretoria de Rondônia da Asociación Latinoamericana de Derecho Médico (Asolademe).

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DIREITO NA MEDICINA – Telemedicina: realidade inexorável

Pub. em 01 de abril de 2020.

Com a decretação da emergência em saúde pública em razão da pandemia do novo Coronavírus, o Conselho Federal de Medicina (CFM), objetivando contribuir para o necessário isolamento social, decidiu reconhecer, em caráter excepcional e temporário, a possibilidade e a eticidade da utilização da telemedicina além do que preconiza a Resolução CFM nº 1.643 de 2002, que estabelece normas sobre a matéria.

O Ministério da Saúde, também visando reduzir a propagação do COVID-19, e invocando as atribuições que lhe conferiu a Lei 13.979, de 6/02/2020, publicou a Portaria n. 467, de 20/03/2020, que permite – em regime extraordinário e transitório – o uso da Telemedicina no Brasil como mais uma ferramenta de enfrentamento à pandemia que assola o mundo.

Indo além da tímida e constrangida decisão do CFM, que passou a “tolerar” apenas a teleorientação, o telemonitoramento e a teleinterconsulta, o Ministério da Saúde permitiu – tanto no âmbito do SUS como da saúde suplementar e privada – o atendimento pré-clínico; consultas; suporte assistencial (acompanhamento da evolução do paciente); monitoramento clínico e diagnóstico.

Todas as condutas podem ser realizadas diretamente entre médicos e pacientes, sem necessidade de intermediário.

Para que as ações ocorram em ambiente juridicamente seguro, é necessário que o profissional tenha consciência e reconheça se tem ou não as habilidades técnicas e estrutura tecnológica necessárias para realizar procedimentos por essa modalidade, incluindo os mecanismos mínimos que garantam a integridade, segurança e o sigilo das informações, que, segundo a portaria do MS, deverão ser armazenadas em prontuário que conterá os dados clínicos necessários à boa condução do caso, sendo preenchido em cada contato mantido com o paciente, com data e horário, bem como a especificação da tecnologia da informação e comunicação utilizada para o atendimento, além, é claro, do número do CRM do facultativo.

Antes de iniciar o procedimento, é importante que o médico esclareça o paciente sobre as restrições e limitações das condutas (mormente quanto ao diagnóstico) e, em seguida, obtenha do mesmo uma declaração de que concorda com o atendimento e os limites impostos pela distância.

Os médicos poderão emitir atestados ou receitas com assinatura eletrônica, sendo que a validade desta fica condicionada ao uso do certificado e chave emitidos pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil).

No caso de medida de isolamento, caberá ao paciente enviar ao médico o termo de consentimento livre e esclarecido de que trata o § 4º do art. 3º, da Portaria nº 356/GM/MS de 11/03/2020, e o termo de declaração contendo a relação das pessoas que residem no mesmo endereço (§ 4º, do art. 3º, da Portaria nº 454/GM/MS, 20/03/2020).

Os procedimentos realizados à distância, por serem atos médicos como outros quaisquer, devem observar os preceitos éticos e jurídicos que norteiam as condutas presenciais, inclusive quanto às notificações compulsórias.

A Telemedicina não é novidade no mundo, sendo praticada a décadas em vários países, principalmente após ser recomendada na “Declaração de TelAviv”, sobre responsabilidades e normas éticas na utilização da Telemedicina, adotada pela 51ª Assembléia Geral da Associação Médica Mundial, realizada em Israel, em outubro de 1999.

No Brasil, tentando avançar no assunto, o Conselho Federal de Medicina, em 2018, publicou a Resolução 2.227. A norma trazia uma série de inovações, inclusive a possibilidade de se realizar a teleconsulta sem a necessidade de intermediário.

Diante da vozearia dos conselhos regionais e de outras entidades médicas, o CFM foi obrigado a revogá-la mesmo antes de entrar em vigor, restabelecendo a vigência da vetusta Resolução 1.643, de 2002.

É natural que mudanças que mexem com as estruturas estabelecidas tragam apreensão – e, até repulsa – de grupos sociais, econômicos, profissionais, etc., que são diretamente atingidos, mesmo que seus membros não saibam quais as consequências delas – se positivas ou negativas.

Uma das mais emblemáticas reações a inovações ocorreu no início do Século XIX, na Inglaterra, durante a chamada “Primeira Revolução Industrial”, quando os ludistas (referência à personagem fictícia Ned Ludd), contrários aos avanços tecnológicos em curso que propiciaram a substituição da mão de obra humana por máquinas, passaram a invadir fábricas e destruir os equipamentos sob a alegação de que as novas engenhocas eram usadas “de maneira fraudulenta e enganosa” para infirmar práticas laborais consolidadas pela tradição. (obs: Posteriormente, o ludismo mereceu uma releitura, sendo então entendido como o primeiro movimento operário de reivindicação de melhorias nas relações e condições de trabalho).

A pandemia do novo Coronavírus abriu a janela para que, passada a fase emergencial, a sociedade brasileira volte a discutir a necessidade de implantação, em caráter definitivo, da Telemedicina, que, a toda evidência, se mostra inexoravelmente como ferramenta capaz de melhorar a qualidade, a equidade e a acessibilidade de todos aos serviços de saúde, mormente naquelas situações em que a presença física do médico seja dispensável ou inviável.

Cabe aos órgãos reguladores avançar na normatização da matéria, dando a segurança jurídica necessária aos envolvidos (médicos e pacientes), de modo a viabilizar que os brasileiros se beneficiem das inovações inimagináveis trazidas pela revolução digital ora vivenciada.

Por outro lado, aquelas entidades médicas que foram refratárias às mudanças trazidas pela Resolução CFM 2.227/2018 – incluindo, como referido, os conselhos regionais de medicina – não têm o direito de agir como neoludistas, de forma tecnofóbicas, já que o próprio Código de Ética da categoria proclama, dentre seus princípios fundamentais, que a medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade, competindo ao médico aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente e da sociedade.

Cândido Ocampo é advogado, por 10 anos assessorou o Cremero; é membro da Soc. Bras. de Direito Médico e Bioética; presidente da Diretoria de Rondônia da Asociación Latinoamericana de Derecho Médico (Asolademe).

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DIREITO NA MEDICINA – Atestado médico no trabalho

Pub. em 31 de julho de 2017.

Todos sabem que uma das justificativas legítimas (e legais) para se faltar ao emprego é o acometimento do trabalhador por doença que exija repouso para o seu restabelecimento, fato que deve ser comprovado comprovado por atestados e/ou laudos.

Considerando que todo atestado médico goza de presunção de veracidade – ainda que relativa -, a princípio os mesmos devem ser aceitos.

Contudo, dúvidas surgem sobre qual conduta a ser adotada pelo médico do trabalho – contratado por uma organização empresarial – quando um colaborador, para justificar suas faltas, apresenta um atestado (ou vários) com grandes indícios de irregularidades, desde possível falsidade até excesso de dias de repouso.

É certo que o sigilo profissional é um dos pilares da medicina, tanto que os médicos somente podem fornecer atestados com o diagnóstico (codificado ou não) quando por justa causa, exercício de dever legal, solicitação do próprio paciente ou de seu representante legal.

Porém, o princípio da confidencialidade das informações não pode servir de valhacouto para a prática de atos atentatórios à ordem jurídica vigente, como, por exemplo, a pretexto de estar doente, em verdade, objetiva-se escamotear faltas injustificáveis ao trabalho.

Na tentativa de inibir o acumpliciamento a tais práticas por parte dos facultativos, o Código de Ética Médica (CEM) proíbe a atestação sem que o profissional tenha efetivamente examinado o paciente, que seja tendenciosa ou que não corresponda à verdade, ou, ainda, que seja realizada como forma de obter vantagens. (artigos 80/81).

Diante de sérios indícios de inidoneidade do atestado apresentado pelo colaborador, o médico do trabalho deve solicitar informações técnicas ao profissional assistente (que atestou) a fim de dirimir as dúvidas suscitadas.

É importante afirmar que, nesses casos, o assistente, por força normativa, deve fornecer os dados requeridos.

Permanecendo as dúvidas após o fornecimento das referidas informações, ou sendo as mesmas negadas pelo assistente, cabe ao médico do trabalho encaminhar o caso ao Conselho Regional de Medicina para que seja apurada eventuais práticas ofensivas ao CEM, assim como à Polícia Judiciária a fim de se investigar possível cometimento do crime de falsidade de atestado médico, previsto no artigo 302 do Código Penal.

Importante é que o caso seja conduzido com a maior serenidade e cautela possíveis, pois, como sabemos, em qualquer atividade há diferentes opiniões técnicas.

Na maioria das vezes as divergências estão dentro do razoável, ou seja, exprimem apenas o grau de zelo, comprometimento e ângulos de visão dos profissionais.

As medidas acima mencionadas (denúncias) devem ser tomadas apenas quando a atestação for ostensivamente anormal, muito além do razoável, denotando o chamado “atestado gracioso” previsto nas normas apontadas.

Cândido Ocampo é advogado, por 10 anos assessorou o Cremero; é membro da Soc. Bras. de Direito Médico e Bioética; presidente da Diretoria de Rondônia da Asociación Latinoamericana de Derecho Médico (Asolademe).

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DIREITO NA MEDICINA – Consentimento continuado

Pub. em 29 de maio de 2017.

O avanço civilizatório das últimas décadas, principalmente no que tange ao conceito de dignidade da pessoa humana, está impondo a todos um novo modelo de convivência coletiva. Na relação médico-paciente não é diferente. E nem poderia, sendo a medicina uma profissão de alto caráter humanístico.

No plano prático, um dos reflexos mais acentuados dessa nova ordem social é a imposição normativa da participação efetiva do paciente nas decisões terapêuticas que deva ser submetido.

Pressionado por esse novo modelo jurídico-social, e influenciado pelo viés humanista-solidário em que foi gestado o atual Código de Ética Médica (CEM), o legislador conselhal, além de erigir a autonomia do paciente ao rol dos princípios fundamentais do exercício da medicina, dispôs que: “No processo de tomada de decisões profissionais, de acordo com seus ditames de consciência e as previsões legais, o médico aceitará as escolhas de seus pacientes, relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos por eles expressos, desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas.”

Sobre o denominado consentimento informado (ou esclarecido), o CEM, em seu artigo 22, determina ser vedado ao médico: “Deixar de obter consentimento do paciente, ou de seu representante legal, após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte”.

Logo adiante, o mesmo diploma deontológico ratifica: “É vedado ao médico: “deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo” (art. 24); “desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte” (art. 31)”.

O princípio da autonomia (ou da liberdade) impõe que, o paciente – exceto nas emergências – deve ser o protagonista de seu destino, devendo o médico informá-lo e conscientizá-lo das possibilidades do tratamento, dos riscos e possíveis benefícios a ponto de torná-lo capaz de decidir livremente o que lhe convier.

Há casos, no entanto, em que o primeiro consentimento dado pelo enfermo (primário) não abre as portas para que qualquer procedimento seja realizado sem que seja ele novamente consultado. A autorização de internação, por exemplo, não é um salvo conduto para o facultativo realizar qualquer terapia durante sua permanência nosocomial.

Havendo necessidade de mudanças significativas na condução terapêutica, surge a imposição de nova consulta ao paciente ou ao seu representante legal, pois é sabido que cada procedimento tem seu grau de risco e probabilidade de sucesso.

Esses consentimentos continuados (ou secundários) tornam-se ainda mais necessários nos casos cuja gravidade da nosologia exige tratamentos longos e penosos, envolvendo equipes multidisciplinares, com várias especialidades médicas.

Num contexto onde os conflitos entre médicos e pacientes tendem a agudizar-se, o consentimento informado se revela imprescindível como um dos comprovantes da boa conduta profissional.

É o preço da modernidade.

Cândido Ocampo é advogado, por 10 anos assessorou o Cremero; é membro da Soc. Bras. de Direito Médico e Bioética; presidente da Diretoria de Rondônia da Asociación Latinoamericana de Derecho Médico (Asolademe).