Pub. em 25 de maio de 2015.
A Medicina é, por definição, uma ciência voltada para o bem estar do ser humano.
Considerando os elevados interesses que envolvem o seu exercício, mesmo o consagrado princípio da autonomia profissional, tão prestigiado na deontologia médica, sofre limitações de ordem moral, social e jurídica.
Para o médico exercer seu direito à liberdade profissional, há que necessariamente respeitar certos critérios impostos pela ordem vigente.
No que tange a assistência, por regra, é vedado ao médico abandonar paciente sob seus cuidados, conforme preceitua o art. 36, do Código de Ética Médica (CEM).
No entanto, o parágrafo primeiro do dispositivo supracitado excepciona, que: “ocorrendo fatos que, a seu critério, prejudiquem o bom relacionamento com o paciente ou o pleno desempenho profissional, o médico tem o direito de renunciar ao atendimento, desde que comunique previamente ao paciente ou a seu representante legal, assegurando-se da continuidade dos cuidados e fornecendo todas as informações necessárias ao médico que lhe suceder.”
O que a primeira vista parece uma ferramenta deontológica de proteção ao médico (fruto de um corporativismo atávico, como diriam os mais açodados), numa análise mais acurada da mencionada exceção, chega-se à conclusão que a mesma tem por objetivo imediato preservar o direito do paciente de ser atendido com segurança e plenitude.
Se houve uma greta na relação médico-paciente, seja por rebeldia deste em não observar as prescrições, ou por manifesta insatisfação com o profissional, causando a perda da confiança mútua, parece claro que a continuidade do tratamento pelo mesmo facultativo pode trazer prejuízos ao assistido.
Nesta ordem, os critérios a serem observados pelo médico para renunciar ao tratamento devem ser os que melhor atendam aos interesses do paciente, mesmo que seja este o gerador da dissensão.
Lembremos que o direito do médico à renúncia só surge quando o paciente der causa à perda da confiança, sendo vedado juízo arbitrário do profissional que, por capricho, não queira mais assistir o doente, como, por exemplo, quando este for portador de moléstia crônica ou incurável.
Emergindo o direito e decidindo renunciar a assistência, deve o médico comunicar a decisão ao paciente (ou seu representante legal) com antecedência suficiente para que seja providenciado outro profissional, permanecendo a responsabilidade até que o posto seja assumido por outro, que deverá receber todas as informações técnicas necessárias à continuidade do tratamento.
Por decorrência lógica, entendemos que não havendo outro profissional habilitado para assumir a função, ou por algum outro motivo a renúncia trouxer riscos à integridade do paciente, é defeso ao médico desistir da assistência, sob pena de, em teoria, responder criminalmente por expor a vida ou a saúde do paciente a perigo direto e iminente, ou omissão de socorro, ilícitos previstos nos artigos 132 e 135 do Código Penal, além das sanções civis e éticas eventualmente reclamadas.
Cândido Ocampo é advogado, por 10 anos assessorou o Cremero; é membro da Soc. Bras. de Direito Médico e Bioética; presidente da Diretoria de Rondônia da Asociación Latinoamericana de Derecho Médico (Asolademe).