foto artigo

DIREITO NA MEDICINA – Nova consulta ou retorno

Pub. em 29 de abril de 2017.

A consulta é uma das funções mais básicas da medicina; e, até pouco tempo, inexplicavelmente estava no limbo dos poucos atos médicos não regulamentados pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), autarquia com atribuição legal de normatizar e fiscalizar com exclusividade a atividade no Brasil.

Preenchendo a lacuna, o CFM baixou a Resolução 1.958/2010, definindo a consulta médica como conduta que: “compreende a anamnese, o exame físico e a elaboração de hipóteses ou conclusões diagnósticas, solicitação de exames complementares, quando necessários, e prescrição terapêutica como ato médico completo e que pode ser concluído ou não em um único momento”.

Da definição supratranscrita, se infere que, o ato da consulta não se esgota, necessariamente, no primeiro atendimento. Ele poderá se prolongar no tempo; quando, por exemplo, para auferição diagnóstica, houver necessidade de exames complementares que não possam ser realizados e/ou analisados no primeiro momento.

Nesses casos, o ato se estenderá até a ultimação e avaliação dos sobreditos exames, pois, o diagnóstico provisório ou definitivo é, em regra, parte integrante da consulta. Essa protração, no entanto, não poderá gerar cobrança adicional de honorários.

Lembremos que há casos em que o facultativo, ao verificar que se trata de quadro nosológico que foge ao seu domínio, encaminha o paciente ao especialista. Aqui, a consulta se esgota sem diagnóstico definido, exceção justificada por questões técnicas.

Assunto que durante muitos anos gerou interpretações de toda ordem, dizia respeito ao prazo para retorno. Rezava a “lenda” que esse tempo era de quinze dias; sendo que, após esse período, o médico poderia cobrar como se fosse nova consulta.

Na verdade, essa praxe que imperou (e, ainda ocorre) durante anos nos corredores dos nosocômios, clínicas e consultórios médicos, sempre careceu de base ética e legal, pois, não é razoável limitar no tempo um ato complexo que, para se esgotar, depende de um sem número de variantes. Exemplo clássico ocorre quando o paciente encontra dificuldade em agendar determinado exame complementar, que, pela complexidade e custo, tem oferta reduzida, impossibilitando sua realização imediata.

Referindo-se a esse tema, a mencionada resolução, em seu artigo 3º, dispõe, que: “Nas doenças que requeiram tratamentos prolongados com reavaliações e até modificações terapêuticas, as respectivas consultas poderão, a critério do médico assistente, ser cobradas”.

Entendemos não ser razoável deixar ao isolado alvedrio do facultativo tema dos mais melindrosos, com reflexos, inclusive, financeiros, pois questões de ordem objetivas – que vão além das reflexões técnicas – podem interferir no tempo gasto para o tratamento (como no exemplo acima, da dificuldade em realizar exames).

Por outro norte, há casos em que, no retorno, o paciente apresenta alterações e sintomas de outra doença, exigindo do médico nova anamnese, exame físico, hipóteses ou conclusão diagnósticas e prescrição terapêutica.

Nesses casos, esse procedimento poderá ser considerado uma nova consulta e, por isso, ser remunerado, independentemente do primeiro atendimento que gerou o retorno, pois se tratam de atos médicos distintos. Nesse particular, diferentemente da questão anterior, entendemos que só o profissional assistente poderá decidir.

Muito além das orientações técnicas, essas decisões devem ser tomadas sob a luz da boa-fé e dos postulados deontológicos da medicina, sob pena de infirmar a confiança que, necessariamente, deve instruir a relação médico-paciente e, pior ainda, macular a mais nobre das profissões.

Cândido Ocampo é advogado, por 10 anos assessorou o Cremero; é membro da Soc. Bras. de Direito Médico e Bioética; presidente da Diretoria de Rondônia da Asociación Latinoamericana de Derecho Médico (Asolademe).

foto artigo

DIREITO NA MEDICINA – “Uberização” da medicina

Pub. em 10 de abril de 2017.

As ferramentas tecnológicas engendradas nos últimos anos, principalmente ligadas à chamada inteligência artificial (AI), modificou – e vai modificar muito mais – as relações humanas em todas as suas dimensões: pessoal; profissional; social; econômica, etc.

A medicina, que há muito vem sendo influenciada pela biotecnologia, obviamente não ficou à margem desse turbilhão de novidades.

O aumento exponencial da procura por serviços médicos, e a incapacidade das estruturas tradicionais de saúde (hospitais e clínicas, tanto públicas quanto privadas) em atender a demanda, fez surgir um serviço que só poderia ter sido criado pela inventividade e empreendedorismo inerentes às startups.

Trata-se de uma plataforma (site ou app) que funciona como uma espécie de “ponte tecnológica” que possibilita o contato direto entre cliente e profissional. No caso, paciente e médico.

Conectando enfermos a profissionais que se prontificam a atender em domicílio, a ferramenta evita, com um simples chamado para que o médico vá até sua residência, que o paciente enfrente filas intermináveis em unidades de saúde.

Naturalmente, tais atendimentos se limitam a casos menos graves – principalmente em pediatria e clínica geral -, mas que levariam o doente a ter que esperar por horas a fio para ser atendido em um hospital ou clínica. Caso o médico entenda que o paciente necessita de um maior suporte, o encaminha a uma unidade com os recursos necessários.

A novidade vem enfrentando resistências de algumas entidades médicas brasileiras, que argumentam que essa forma de atendimento pode gerar conflitos com as normas éticas da categoria.

Não se descura que o modo como essas plataformas estabelecem a relação médico-paciente pode estimular a má prática da medicina; como, por exemplo, prescrição sem consulta presencial (física), exceção só permitida, segundo o Código de Deontologia Médica (art. 37), em casos de urgência e/ou emergência e impossibilidade comprovada de o médico examinar diretamente o paciente, devendo, nesse caso, fazê-lo imediatamente após cessar o impedimento.

Inobstante as discussões suscitadas por essa nova forma de prestação de serviços – que, sim, deve ser fiscalizada pelos órgãos de controle -, o fato é que as entidades médicas, diante das inexoráveis mudanças trazidas pelas novas tecnologias, não devem agir como sindicatos de taxistas, que insistem em permanecer no século XX, mas, antes de tudo, permitir – e até incentivar – que o médico se utilize de todos os meios científicos posto ao seu alcance para melhor atender o paciente; como, aliás, determina o Código de Ética Médica.

Cândido Ocampo é advogado, por 10 anos assessorou o Cremero; é membro da Soc. Bras. de Direito Médico e Bioética; presidente da Diretoria de Rondônia da Asociación Latinoamericana de Derecho Médico (Asolademe).